terça-feira, 17 de março de 2015

"Alive Inside" - crónica de vidas esquecidas

Afinal o que somos nós sem o verdadeiro processamento sensorial da nossa história, isto é: o que somos nós sem a nossa memória?
Como levar vida aos locais, cuja vida foi esquecida?
Fomos concebidos com o propósito de viver a vida e o que faz parte da vida se não é o envelhecimento?
Envelhecer faz parte de nós, faz parte da beleza e do decorrer da vida. no entanto, cada vez mais somos abordados e afectados pelo problemas das doenças mentais que aparecem mais cedo e que, de alguma forma deterioram o que de melhor guardamos duma vida inteira.
Viver sem arrependimentos é quase que impossível, há arrependimentos, sim... Mas também há o completar de que vivemos o que havia para viver e as coisas foram e são como são e como tiveram de ser.
O alzheimer é algo que me atrai, é o que mais me atraiu na psicologia. Não interessa o motivo, a não ser para mim, o que interessa é que o Alzheimer tem sido uma doença cada vez mais recorrente nos idosos a partir dos 65 anos.
Como é que uma pessoa ao fim de tantos anos vividos e de memórias guardadas, de repente fica sem saber como viveu e o que mais a apaixonou na vida? O quão assustador é, aos poucos não reconhecer os nossos, os nossos nomes e até mesmo a nós mesmos?
Isto a mim é aterrador.
 Tão aterrador, que quando assisti ao documentário "Alive Inside" percebi que há forma de tratar, a cura está na forma mais simples que conhecemos. Não digo numa cura que nos leve esta maldita doença e nos traga a nós uma vida esquecida, mas sim uma cura para os dias em que nos encontramos dementes, assustados e a querer forçar uma memória que teima em não chegar.
A maioria dos doentes mentais são tratados através de medicamentos, este é o verdadeiro tratamento para piorar a progressão da doença, para aliviar a tensão alta, para aumentar tensões baixas, para acalmar quando algo os aterroriza e deixa em ansiedade, para atrasar os problemas motores e capacidades cognitivas que daí advém. Mas e o que fica então? Fica os afectos, a capacidade afectiva e emocional permanece, pois não é preciso relembrar para saber gostar e amar quem sentimos próximos, mesmo que não recordemos ao certo o que nos é.
É instinto humano o afecto e disso que ele precisa.
Este documentário usa a música como fonte de busca para um mundo outrora esquecido. A força que a musica trás, num mundo em que a musica é, sim, universal e toda a gente gosta. A capacidade que as pessoas têm de entrar no seu mundo, sair dum isolamento, da solidão ou de nunca se lembrarem que de facto o lar não é a sua casa, mas também não será o pior lar do mundo. A música capacita e transmite a energia que os faz relembrar o que gostava na infância, o que ouviam na juventude, faz mover os pés ao seu próprio ritmo e sentir uma euforia que é acompanhado pela calmaria duma ansiedade desmedida.
Acreditem, vejam o poder que a música fez nestes idosos.
Como a música foi capaz de ter esse propósito, aquilo que medicamentos e rótulos colocados em doentes mentais para serem tratadas como apenas isso, nunca conseguiram fazer. Também as crianças, os animais são a fonte de energia e de felicidade que os faz sentir aconchegados num mundo que reconhecem mesmo que não se lembrem.
Por muito que não seja considerado medicinal e um tratamento tradicional, ajuda para que a vida seja digna e mais saudável, ajuda a que a progressão não seja tão rápida e que aceitação seja feita duma forma mais tranquila sabendo que nada está perdido, mesmo que o nosso tesouro tenha desaparecido.
O que isto me transmitiu foi apenas a motivação que me faltava, o relembrar da razão pelo qual a psicologia me atraía. Seja pelo método que for, desde que faça feliz e ajude num bem-estar e numa dignidade outrora perdida num rótulo de doença mental, é o que me interessa.
Nada é melhor do que aquilo que nos une e nos deixa o mesmo sentimento, mesmo que os gostos sejam diferentes: A música!
Isto pode realmente não vos dizer nada, mas a mim diz e muito. Apenas fica aqui a minha opinião acerca deste documentário, acerca de um problema que tem sido uma realidade não só na minha vida académica e profissional como na minha vida pessoal, em que lido com uma pessoa cuja vida lhe foi esquecida, mas que nada mudou quando o que mais quero é te-la comigo e fazê-la sentir que é digna de todo o carinho do mundo, mesmo que do meu nome não se lembre :D



quinta-feira, 5 de março de 2015

Absoluta necessidade, memória de verdades e razões concebidas

Não há memória suficiente que lembre, nem memória insuficiente que esqueça… A verdade é esta: não há como explicar aquilo que queremos esquecer e não conseguimos e, aquilo que tanto queremos recordar e não nos vem à memória.
Na verdade, deixemo-nos de tretas, até tem uma explicação simples: não esquecemos porque recordamos vezes sem conta para ter a certeza que queremos esquecer e que, ainda não fizemos por muito que digamos que é o queremos. Quanto mais dizemos que queremos apagar, na realidade, estamos a recordar o "porquê" e o" quê" que queremos apagar.
Esta é a minha verdade... Depois há a verdade deles e a verdade verdadeira.... Vá-se lá saber afinal qual é a realidade da verdade. Enquanto existirem muitas verdades, nunca conseguiremos provar que detemos a verdadeira realidade. Que ela pertence a nós e não ao outro. Queres saber mais? Também existe uma explicação para isso, também muito simples, se virmos bem: a forma como interpreto, será a forma como darei sentido à história e aí, terei a minha verdade, a verdade que eu atribuí por entender daquela forma, ter a minha perspectiva sobre aquela situação.
O outro dominará a sua razão pela forma como entendeu, que terá certos momentos em que não irá coincidir, por muito que me dê razão, ou mesmo a detenha. Por muito que as historias possam coincidir, a verdade estará nas mãos de duas pessoas, para no culminar de tudo, haver uma meia verdade que vai abranger as perspectivas dos dois e criar a verdadeira realidade. Mas isso bastará para ser considerada a verdade?
Gostava eu de ter resposta para isso e muito mais… Gostava eu…!
É com tudo isto, que me vem à cabeça a memória, razão e verdade de grandes conclusões a que já era suposto ter chegado. Conclusões que me fizeram entender que percebi, percebo e, se há coisa que continuarei a perceber,  pelas belas palavras de Vinicius de Moraes, é a amizade:

Tenho amigos que não sabem o quanto são meus amigos.
Não percebem o amor que lhes devoto
e a absoluta necessidade que tenho deles.
A amizade é um sentimento mais nobre do que o amor, 
eis que permite que o objeto dela se divida em outros afetos, 
enquanto o amor tem intrínseco o ciúme, que não admite a rivalidade.
 E eu poderia suportar, embora não sem dor, 
que tivessem morrido todos os meus amores, 
mas enlouqueceria se morressem todos os meus amigos !
 Até mesmo aqueles que não percebem o quanto são meus amigos 
e o quanto minha vida depende de suas existências ... 
 A alguns deles não procuro, basta-me saber que eles existem.
Esta mera condição me encoraja a seguir em frente pela vida. 
 Mas, porque não os procuro com assiduidade, 
não posso lhes dizer o quanto gosto deles. 
Eles não iriam acreditar. 
 Muitos deles estão lendo esta crônica e não sabem
que estão incluídos na sagrada relação de meus amigos. 
 Mas é delicioso que eu saiba e sinta que os adoro, 
embora não declare e não os procure. 
 Eàs vezes, quando os procuro, 
noto que eles não tem noção de como me são necessários,
de como são indispensáveis ao meu equilíbrio vital, 
porque eles fazem parte do mundo que eu, 
tremulamente, construí,
e se tornaram alicerces do meu encanto pela vida.
 Se um deles morrer, eu ficarei torto para um lado.
Se todos eles morrerem, eu desabo!
Por isso é que, sem que eles saibam, eu rezo pela vida deles.
 E me envergonho, porque essa minha prece é, 
em síntese, dirigida ao meu bem estar. 
Ela é, talvez, fruto do meu egoísmo.
Por vezes, mergulho em pensamentos sobre alguns deles.
 Quando viajo e fico diante de lugares maravilhosos,
cai-me alguma lágrima por não estarem junto de mim,
compartilhando daquele prazer ...
Se alguma coisa me consome e me envelhece 
é que a roda furiosa da vida 
não me permite ter sempre ao meu lado,
morando comigo, andando comigo, 
falando comigo, vivendo comigo, 
todos os meus amigos, e, principalmente, 
os que só desconfiam 
- ou talvez nunca vão saber -
que são meus amigos!
A gente não faz amigos, reconhece-os.”